Quantas vezes já ouvimos falar daquela expressão «isso foi no tempo em que os animais falavam?».
Muitas! Isto deixa-nos ficar a pensar que há muito muito tempo os animais tinham a capacidade de falar, mas ninguém, pelo menos que eu saiba, consegue dizer exactamente qual foi a altura em que eles perderam esta faculdade. Só se sabe que um dia houve um big bang linguístico qualquer e os gajos perderam o pio.
O papagaio foi o único que se safou, mas ficou limitado a repetir tudo o que ouvia: uma versão, com penas, de alguns políticos que nós conhecemos. O cão com sotaque ribeirês (de Óis), a cobra com sotaque tripeiro, o papa-formigas com sotaque beirão, o jumento que dominava cinco idiomas e a vaca que recitava Camões com um sotaque genuinamente irlandês, emudeceram de um dia para o outro.
O curioso nesta história toda, digo eu, é que nunca se fala no Homem neste processo de perda da fala. Parece que o crescimento da espécie humana está correlacionado com este silêncio animal. Até então o Homem nunca teve grandes hipóteses de sobrevivência num mundo de animais falantes.
«Olha ali um grupo de jacintos a quererem lixar as nossas águas da pateira», dizia um achigã dos mais velhos, para uma carpa das gordas. «Tu vai lá ali num instante chamar os nossos amigos pimpões e limpamo-los já». E o outro ia. E chegavam os lúcios, os roubacos e as taínhas e, todos juntos, limpavam os jacintos todos, à bocada!
Quando os animais perderam a fala as coisas complicaram-se de sobremaneira. É que dizer «topa-me ali à direita uma task force de ribeiropeixecos de Óis» sem poder usar palavras, requeria um poder mímico que nenhum animal estava preparado para usar. Como é que um gajo diz «ribeiropeixeco em Óis» através da mímica? Não diz.
Eu acho que foi por essa deficiência que os animais se lixaram. E ficaram,então, só os homens a falar, com alguns papagaios!
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