Agora que estou de férias, vejo sempre, da janela da minha casa, uma história diária, aos quadradinhos, nas traseiras dos prédios que ficam voltados para o meu. É uma enorme geografia social.
Vejo um casal de homossexuais que tem um frigorífico amarelo;
Uma mulher solitária que passa o tempo a espreitar pelas cortinas;
A casa do rés-do-chão, onde cães e gatos coabitam, indiferentes uns aos outros;
A roupa do rebento do casal jovem a crescer no estendal;
A palmeira que já chega à varanda do segundo andar;
A adolescente rebelde que fuma às escondidas, como se ninguém a visse. É tão inocente a adolescência! E cega!;
As luzes de vários tons que acendem a noite;
Os tapetes estendidos nas manhãs de sábado…
Os meus olhos de criança provinciana, outrora cheios de sol e de campos a perder de vista, assim que passava do Santo António, ou do jardim, pelas areias fora, olhando os pássaros nos algueiros e as estrelas que enchiam as noite do céu, enchem-se agora daqueles rituais, daquela paisagem urbana, afundada no meio do betão, onde as pessoas se amontoam por cima umas das outras e assinalam a sua presença a estender e a apanhar roupa, a abrir e fechar janelas…
Os meus olhos pousam agora naqueles retalhos de existências atarefadas, quase esquecidos da cara redonda da lua… Fecho a janela e recolho-me, cúmplice. E fico a pensar que também envelheço.
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