10 outubro 2006

||| O OUTONO E AS CASTANHAS ASSADAS, A ESCOLA, OS CARAPUÇOS DE SACOS DE ADUBO - 3 (FIM)

(continua de ontem e de anteontem)

Lembro-me dos cinco tostões de tremoços que uma senhora baixinha vendia ao domingo de porta em porta e que eu escondia até segunda ou terça-feira, dos coloridos “esticas” - oas «Gorilas»... - que meio clandestinamente comprávamos na loja do Armando ou da Celeste, das amoras que íamos apanhar para os combros. «Ai tens amoras?! Então já namoras!...», dizíamos nós, trauteando para imaginar algum namorico a alguma rapariga da escola.
E os cromos da bola, que o irmão de um de nós trazia de Águeda, o meu Yazalde, o Chico Faria o Dinis, o Damas...
E aquela clandestina revista “de mulheres nuas”, como é que eram, a Playboy ... - e um disco do Alain Dellon, «Je t´aime, mois, nom plus...», acho eu que era assim, com uns sussurros cantados que nos deixavam corados de cara e a suar!
Da escola é que eu não gostava. Ao adormecer, rezava (!) angustiado para que um terramoto, um incêndio ou outra catástrofe a fechasse por uns dias. Uma desejo maior era que a professora engravidasse, porque assim ficava três meses em casa, eu tinha ouvido os meus pais a discutir isso em casa, por causa de uma notícia da televisão. Tudo isto, era pior que ir à catequese - qe era só uma hora por semana.
Na escola, o meu truque era ganhar tempo para (de novo não) fazer os “deveres”, que eram sempre adiados o mais que eu podia. E assim escapasse dumas valentes reguadas que invariavelmente me levavam às lágrimas.
Um dia de Outono como este, antes de chegar à escola, encontrei o meu primo que já andava na 4ª . classe e me desafiou a faltar com ele. Nunca pela cabeça me passaria tal atrevimento, tão ousado era faltar à eascola. Alinhei, assustado, e não mais me esqueci daquele dia de emoções fortes. Toda a jornada deambulámos pela freguesia fora, fomos à pateira - o meu primo dizia que era o ribeiro... - e fomos até tão longe, bem longe de qualquer vista indiscreta. Quase chegámos a Requeixo, onde o meu primo me quis mostrar a ponte romana, «feita pelos romanos numa só noite!». E eu acreditava!
Lá voltámos sem nunca termos a certeza do caminho de volta, a sorte foi um de nós se lembrar para irmos sempre ao lado do rio, pelo paredão acima.. . Um saboroso crime estava feito, uma exaltada angústia misturava-se com as imagens da minha casa protectora, dos meus irmãos e da minha incauta mãe. Tudo tão longe. E logo, aflito, afastava da ideia a figura gigante do meu pai zangado, volvendo às explorações e correrias com o meu primo.
Começava cedo a minha relação íntima com o mundo fora da minha casa, da escola e da catequese, o mundo com os seus sons intrigantes, os seus recantos e cores. Comecei cedo a ser gente e terá sido este o meu primeiro grande segredo, na construção do homem que sou hoje.
Até outra história!

1 comentário:

d´OIS POR TRÊS disse...

Venha rápida a nova história...