Um grupo de bajuladores está no palco, com roupas de moda, barbas escanhoadas e sombras bem afeitas aos olhos. Tentavam endrominar o chefe. Um dos lambe-botas já ia tão longe, tão longe... que o chefe chegou a protestar, pois ninguém lhe dizia a verdade. E saiu do palco!
- «É importante dizer a verdade ao chefe...», arriscou falar, então, a menina dos olhos afeitados de rimel.
- «Tu sempre és muita burrinha! E o tal gajo, o músico, não percebe nada de política! O importante é não dizer a verdade ao chefe. Se repetirmos mil vezes uma mentira, então ela transforma-se em verdade», disse um dos escanhoados.
- «Calma aí.... Se só existir a nossa verdade, não haverá oposição. O que é preciso é esmagar a oposição com a exclusividade do nosso ponto de vista, a nossa verdade...», asseverou a menina do rimel.
- «Compreendo. Mas e se a realidade for diferente? A coisa pode tornar-se preta...», disse um dos escanhoados.
- «O que é que queres dizer com isso?», perguntou a do rimel.
- «Bom... é que às vezes a realidade contrasta de forma chocante com as nossas fantasias. Começo cá a pensar que nos metemos numa alhada...».
- «Isso nunca acontece, pá. A realidade molda-se ao desejo do líder. Por exemplo, a economia vai lindamente e melhorará, a nossa terra já pouca coisa tem a fazer. Precisamos é de ser nós a mandar. Nós, os jovens; os jovens a mandar. Quero devolver a Óis os seus jovens», retorquiu a menina do rimel.
- «Mas tu achas? Sem querer contestar-te, há quem fale muito em crise... - A crise, a crise... E há também a malta mais velha, não a podemos pôr fora...», alegou outro dos escanhoados.
- «A crise é meramente um estado de espírito e molda-se conforme os desejos de um líder benevolente. Quanto aos mais idosos, asseguro-lhes a reorganização e beneficiação do cemitério velho», respondeu a do rimel.
- «Mas porque é que só falas no cemitério velho? Também há o novo... Acho que a conjuntura que propões pode levar a um agravamento da situação...», voltou a incomodar um dos escanhoados.
- «Mas qual quê? Ora essa, o poder maior está todo do nosso lado e o importante, o importante é que nós façamos o nosso dever de ganhar...», disse a menina do rimel.
- «Pensei que o importante fossem as pessoas...», protestou um dos escanhoados.
- «As pessoas são importantes, é verdade, mas importantes, muito mais importantes são as que estão do nosso lado...”, ripostou a do rimel, compondo para trás a melena que lhe caía nos olhos.