Há adágios populares que são indubitáveis razões de bom-senso e sabedoria. Um dos meus preferidos é aquele do material que tem sempre razão - que ao mesmo tempo mostra e esconde uma série de implicações directamente relacionadas com a nossa maneira se sermos portugueses.
Realmente, só gente como nós é capaz de atribuir capacidades lógicas de raciocínio ao material. Detenhamo-nos primeiro no conceito de «material» que, para o português, tem um significado muito restrito: entende-se por material todo o tipo de zingarelho mecânico ou electrónico cujo funcionamento nos escapa por completo. Sabemos para que serve o material mas não fazemos a mínima ideia como ele funciona. Nem queremos saber.
Todos sabemos, todavia, que o material tem uma lógica de funcionamento a que chamamos de razão. Por exemplo, quando tentamos pregar um parafuso numa parede em vez de o aparafusar, causando inevitáveis crateras na parede da sala; quando tentamos, com um pé de cabra, atafulhar uma perna de borrego no microondas; ou quando derretemos a broca de madeira do berbequim a tentar furar uma viga de ferro; percebemos que, no final do dia, «o material tem sempre razão».
Se repararem, o facto do material ter sempre razão é algo desculpabilizante para a nossa boçalidade. É uma maneira simpática de dizer «tu és uma besta que não percebes nada do que andas a fazer com esse zingarelho nas mãos».
E é exactamente nesta desculpabilização que reside a magia da nossa portugalidade: precisamos de uma espécie de prova material que não temos razão nenhuma. Que a nossa razão é sempre alheia e em última instância pertence a seres inanimados. E agora vou de fim de semana, com toda a razão do meu material!
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